Pensando com os meus botões.
Onde estará a boneca que, na infância, nunca tive, mas que continua guardada na gaveta de minhas lembranças? E eu ainda a procurava sem esperança de encontrá-la!
Mas, hoje encontrei-a no poema de um meu amigo Amarildo José de Porangaba!
Ainda, no poema, ele me aconselha: lembranças são gavetas aveludadas, onde guardamos nossas jóias mais preciosas, as quais nenhum ladrão poderá roubá-las.
E eu, continuei pensando com meus botões. Foram tantas jóias guardadas, a sete chaves. Diante de algum acontecimento atual vou buscá-las, acarinho-as, com a maturidade própria dos anos vividos, mas com a doçura e a leveza de uma mãozinha infantil.
Na gaveta dos brinquedos encontrei o carrinho de rolimã de meu irmão, que nos fazia voar ladeira abaixo e engolir o ar seco das manhãs geladas do inverno. Não havia estação ideal para nossas brincadeiras, a adrenalina da liberdade preenchia toda a sensação do frio ou do calor sentida pelo corpo. Voávamos plenos, enriquecidos pelo doce afeto de irmãos. Num desses voos, senti o peso das bolinhas de gude, no bolso das calças curtas de moleque e o estilingue sendo arremessado do pescoço. Meus dias e lazer eram assim, embora menina, acompanhava as travessuras de meu irmão, dois anos mais velho do que eu.
Em outra gaveta, apalpei o meu vestido de Primeira Comunhão, feito com tecido branco de lasie entrecortado com fitas de cetim e rendas, comprado na loja do Abilinho Português, para ser pago com a venda da lavoura da próxima safra. Eu tinha oito anos, e lembro da minha mãe, sentada à máquina de costura, à luz de uma lamparina, depois de um dia todo na lida com os afazeres da roça. Vez ou outra, ela parava de pedalar e acariciava o tecido, contemplando a peça que ia delicadamente tomando forma, apesar das mãos ásperas e calejadas de uma sitiante. Tantos foram as missas e os domingos que eu o usei, por não ter outra roupa adequada para ir à igreja. Houve uma vez, que fui motivo de chacota de uma colega por eu usar sempre a mesma roupa.
Veja, há também gavetinhas que se abrem mesmo que a gente não queira. Guardam lembranças tristes, mas que hoje entendemos o quanto nos fizeram ser fortes para enfrentar o mundo. E eu fui forte e valente desde sempre! Aos oito anos eu enfrentava o palco da escola e recitava em todas as festinhas comemorativas. Tinha uma vozinha ardida, mas firme. Era aplaudida e descia garbosa, sob o olhar de aprovação da professora Idinha. Não havia bullying que me impedisse de aceitar os desafios!
Algumas gavetas guardam lembranças da adolescência, tão rica de experiências, de amigos, de namoros e de prazer pelo estudo. Tudo isso e os valores aprendidos em família me fortaleceram para ser a mulher que fui e que sou. Por isso, fecho com muito cuidado as gavetas que guardam as minhas memórias, não quero perdê-las jamais. São imensuráveis, me construíram. Não sou saudosista, mas valorizo a minha raíz e a cultura da terra que fez ser o que sou hoje. Obrigado amigo poeta, por virar a chave das gavetinhas de minhas lembranças e me permitir expô-la diante de mim e tocá-las com saudades.
Ah! Amanhã continuarei nesta aventura. Eu sei que o amanhã me espera!
Estela Maria de Oliveira
Enviado por Estela Maria de Oliveira em 06/11/2023