Estela M Oliveira
Sou o lavrador, a semente e o adubo, sou a flor e o fruto da Cidade Sinfonia!
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Textos
O doído som do berrante
           De manhãzinha, antes do sol raiar, os peões recolhem as traias  no dobro,  a capa que serviu de coberta na madrugada é dobrada minuciosamente e colocada entre o baixeiro e o pelego da sela. É preciso cuidar do animal, dar água e farelo de milho, para que junto com o peão aguente o tranco do dia. O gado é arrebanhando e direcionado para prosseguir no estradão. Berro aqui, berro acolá, um ou outro animal  tenta pegar o caminho inverso. Posicionados, os peões margeiam a estrada e obrigam os animais a enfileirar.
      Na encruzilhada, o ponteiro toca o berrante, para agrupar todo o rebanho e evitar a dispersão das cabeças.  O boiadeiro sente a cabeça pesar debaixo do sol do meio dia. Toma água do corote atrelado na sela do cavalo que monta, usando a canequinha de alumínio individual.   O som do berrante não ecoa com a mesma gravidade habitual, o que chama a atenção da tropa de boiadeiros.
        Um dos companheiros adianta- se da sua posição e coloca-se emparelhado com o ponteiro. A sua atenção redobra, foco na boiada e no companheiro de tantas comitivas. Um suor exagerado  e o rubor nas faces indica que algo não está dentro da normalidade.
         Sinais são trocados entre os peões, mais dois companheiros se adiantam; um para assumir a frente da boiada e outro para dar apoio ao colega, junto ao ponteiro. Os colegas encostam suas mulas ao animal do boiadeiro e retiram- no do dorso do cavalo. Ao ser socorrido, o companheiro desfalece e é levado para debaixo de uma árvore.
        A boiada, aos poucos vai se acalmando na pastagem, enquanto os demais companheiros vão circundando com suas montarias os peões no chão. O olhar do ponteiro já não tem o brilho da vida, apagou- se ali, em meio à boiada e no estradão empoeirado pelo trote de centenas de animais. O cavalo do peão, cabisbaixo, sente o cheiro da morte. O boiadeiro se foi; o  som do berrante não será o mesmo. A comitiva segue sem o seu guia.
        " Vai boiadeiro que a noite já vem, deixa  o teu gado e vai prá junto do teu bem". O caminho das estrelas vai seguir, não haverá mais cancelas a abrir. Seus pensamentos são mais velozes que seu cavalo, passe pela sua querência distante, toque o berrante que seu cachorro campeiro vai ouvir. Depois diga adeus à Mariazinha, que sozinha vai cumprir seu destino. Para ela, e seus companheiros de comitiva, o som do seu berrante nunca será esquecido.  
       Ué boi, seu boiadeiro se foi!
Estela Maria de Oliveira
Enviado por Estela Maria de Oliveira em 13/11/2023
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